Com a vitória da "Casa das liberdades", formada pela Força Itália, partido privado de Berlusconi, o mais rico italiano, a Aliança Nacional, novo nome do Movimento Social Italiano, fascista, e a Liga Norte, separatista e xenófoba, além de grupúsculos católicos reacionários, o G8, organizado pela social-democracia, seria comandado pela direita populista.
A derrotada Oliveira concluiu suas providências. Temendo mobilizações como as de Davos, Nice, Praga, Seattle e Washington, militarizou Gênova, criando zona vermelha de exclusão. Trouxe reforços militares, entre eles, atiradores de elite e pára-quedistas capazes de matar silenciosamente! Gastou 150 milhões de reais no esquema militar! Pericu, prefeito da Gênova, e Vicenzi, presidente da Província, sociais-democratas, aplaudiram as medidas.
Um mês após o fórum de Porto Alegre, a Oliveira testara o esquema repressivo. Sob o comando de Bianco, ministro do Interior, a polícia interveio no Global Forum Digial Divide, de Nápoles, com violência única. Os sucessos não tiveram maior repercussão devido à menor importância do evento, à proximidade das eleições e à cor política da repressão.
O sorriso da globalização. Após a posse do novo governo, a tônica dos primeiros discursos foi a demagogia sobre Gênova. Globalização. Diálogo. Pobreza. Abolição da divida. Sensibilidade com o mundo. Tratava-se da "Casa" e não da "Caserna das liberdades", como se ironizava. Armava-se o circo da "globalização" com alma "solidária".
Em Roma, em uma semana, o belíssimo palácio renascentista do Campidoglio recebeu mais personalidades negro-africanas do que nos seis séculos de sua existência! Eleito pela Oliveira e pela "Casa das liberdades", o presidente da Republica Ciampi comandou a redescoberta italiana da África!
Prisioneira da encenação que pensara protagonizar, a Oliveira permitiu que a direita se apresentasse como sensível às misérias mundiais e disposta ao diálogo. O pequeno Partido da Refundação Comunista [PRC], anti-capitalista, formado por operários, sindicalistas, pacifistas, etc. denunciou isolado a farsa.
O governo tranqüilizou a todos: "Respeitaremos o direito de manifestação". Porém, Berlusconi nomeou Claudio Scajola ministro do Interior e, assim, responsável pela "paz" em Gênova. Sinal dos tempos. Com 53 anos, todos dedicados à política, era o primeiro responsável pela pasta a ter visto o sol nascer quadrado! Nada grave. A prisão fora por ... corrupção!
Com a mão na massa. O ministro provém de família democrata-cristã que deu três prefeitos à cidade de Imperia. O pai, apeado do cargo por corrupção, fez-se suceder pelo filho Carlos e, nos anos 80, pelo neo-ministro. Nesses anos, os democratas cristãos e socialistas roubavam soltos. Em 1983, o prefeito Claudio foi preso por ordem do Tribunal de Milão.
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A Justiça, que indagava sobre os cassinos italianos, onde mafiosos, capitalistas e políticos davam-se as mãos para encherem-se os bolsos, comprovara que, na Suíça, Scajola recebera do prefeito de San Remo, sede de cassinos, e do conde Borletti, empresário da roleta, um monte de dinheiro!
Preso setenta dias na famosa prisão milanesa de San Vittore, Scajola foi solto pois não se provou que o dinheiro fora recebido para fins partidário! Em liberdade, reelegeu-se prefeito. Em 94, democrata-cristão, denunciou a Aliança Nacional como "fascistas nojentos".
Com a crise do PDC, em 95, Scajola reelegeu-se apoiado pela Força Itália! e pelos ... nojentos fascistas! A pedido do chefe, transformou o partido de Berlusconi de sigla virtual em máquina eleitoral. Como o patrão queria os ministros diplomados, formou-se advogado treze dias antes da posse.
Estado de sítio. Logo, o neo-governo mostrou as garras. Fechou a principal estação ferroviária, o aeroporto, o porto de Gênova. Suspendeu o tratado de Schenghen de livre circulação. Agora, para entrar na Itália, havia que se dizer para quê! Casas de militantes foram violadas. Pressionou-se os imigrantes pobres genoveses.
Os prisioneiros comuns do noroeste italiano foram mandados para o Sul. Encomendaram-se carros de jato d´água suplementares. Os hospitais genoveses foram esvaziados e encomendaram-se centenas de leitos hospitalares e caixões de defuntos!
Sem explicações, Scajola negou passe para a zona vermelha para D'Avossa Lussurgiu, do jornal Liberazione [PRC]. Nos anos 70, ele fora dirigente estudantil!. As associações profissionais e os meios de divulgação - à exceção dos berlusconianos - exigiram explicações. A licença foi concedida.
Berlusconi visitou Gênova incessantemente. Queria tudo nos trinques. Subitamente, proíbe o secular hábito genovês de secar roupas nas janelas. A Itália ri. Os italianos mais velhos, gelam. Para a visita de Hitler a Roma, Mussolini fizera o mesmo. Durante o G8, a profusão de ceroulas, calcinhas e sutiãs que enfeitou as fachadas da cidade rebelde surpreendeu manifestantes perplexos.
Cretinismo arquitetônico. Chocado com a velhice da não restaurada via Gramsci, o capo encomenda limpeza e pintura relâmpago das fachadas e comenta que "infelizmente" não se pode fazer o mesmo com o nome da artéria! Herói anti-fascista, Gramsci morreu, após dez anos de dura prisão!
Horrorizado com a 'fealdade' de edifícios, manda cobri-los com painéis com pinturas de fachadas antigas. Antes dele, o Duce escondera as 'feiuras' da Cidade Eterna ao Führer com ruas de tinta, tecido e papelão! Manda "colar" limões, amarelíssimos, nos limoeiros do centro. Os verdadeiros não são suficientemente coloridos para as imagens televisivas!
Há mais de um ano, milhares de associações - jornais, rádios, partidos, ongs, centros sociais autônomos - organizam manifestação que transformasse o G-8 em festa anti-globalização. Principal protagonista do evento, o Gênova Social Forum - GSF - formou-se com 324 organizações, sobretudo italianas.
A cultura operária possui raízes profundas na terra do Novecento. A mobilização cresce, as contradições aumentam. O cenário e o momento contribuem para que as propostas sociais-democratas, católicas, integracionistas choquem-se com as comunistas, anarquistas, operárias.
Um caminho para a luta. Polemiza-se fortemente sobre o movimento. Luta simbólica ou combate de classe? Turismo politicamente correto ou novo internacionalismo? Movimento inorgânico ou embrião de partido mundial? Espetáculo de rua ou ocupação da rua? Mercado eco-solidário ou anti-mercado? Capitalismo humano ou humanismo anti-capitalista? São denunciadas as ilusões sobre reforma ética do capitalismo. Exige-se que os fóruns fortaleçam e não substituam a mobilização popular e operária.
O próprio PRC divide-se. Uma ala minoritária demarcou-se da orientação católico-ecológica, forte entre o "povo de Gênova". A majoritária, ao contrário, entregou-se à "modernidade" de movimento fortemente influenciado por organizações conservadoras - Pax Christi, WWF, a Rede Lilliput, etc.
Na frente anti-capitalista, destacam-se os numerosos e organizados centros sociais autônomos. Formados nos anos 1970 por jovens - estudantes, desempregados, imigrados, anarquistas, comunistas, etc. - que ocuparam imóveis abandonados. Eles possuem restaurantes, livrarias, teatros, oficinas, micro-plantações de maconha. Seus membros são chamados de "macacões brancos", devido à cor da roupa e das proteções com que se protegem da polícia durante as manifestações.
Os centros sociais praticam a "desobediência civil". Em Gênova, para eles, era questão de honra violar simbolicamente a zona vermelha e as interdições do capital sobre o mundo urbano. Sob as pressões do GSF, renunciaram ao objetivo e a se vestirem de branco. O espetáculo devia ser apenas alegre festa multiduninária. Não foi.
(21 agosto 2001)