A Anti-Globalização: entre o branco, o vermelho e o negro
A questão operária esteve quase ausente do debate anti-G8. Porém, foram os trabalhadores - "os macacões azuis" italianos - que inauguraram a luta. Em 13 de junho, metalúrgicos da Ilva manifestaram contra a perda de 1.200 empregos. A fábrica genovesa fora fechada pela administração de centro-esquerda por motivos ecológicos. Os operários foram duramente reprimidos pelas forças policiais ao manifestarem contra as demissões.
Na mesma época, a Fiom-Ggil, o maior sindicato metal-mecânico italiano, lançou greve geral de 24 horas contra os reajustes somíticos, rompendo com o imobilismo dos sindicatos de orientação católica e integracionista - CISL e UIL. Dezenas de milhares de operários marcharam através da Itália. Em Nápoles e Palermo, desempregados e ex-presos comuns manifestaram violentamente contra a miséria vivida sob a riqueza capitalista.
Muitos macacões azuis e desempregados estiveram em Gênova, dentro das manifestação, fora do Genova Social Forum. Os sindicatos anti-capitalistas de base - Cobas, SlaiCobas, SinCobas, etc. - chamaram greve nacional contra o G8 para sexta-feira, 20 de julho, data da primeira manifestação.
A confederação sindical que reúne a CGIL, CISL e UIL, social-democrata, não aderiu às manifestações anti-G8, colocando sob tensão sobretudo a grande CGIL, mais classista. Sua base sindical exige mudanças de orientação, após de cinco anos de governo da Oliveira, que motivaram retrocessos históricos aos trabalhadores. Na semana anterior ao G8, em encontro mundial sindical, Cofferati, líder da CGIL, foi vaiado ao propor que "a globalização [...] deve ser administrada, não eliminada".
BEM-TE-QUERO, MAL-TE-QUERO
O ex-PCI, agora Partido Democrático da Esquerda [PDS], tentou manter um pé no barco, o outra na terra. Parte de sua base gostaria de estar no GSF. A direção gostaria de estar no G8. Promotores de guerras, privatizações, liberalizações, os líderes do PDS são vaiados nos debates. Senhor da guerra do Kossovo, o ex-primeiro ministro D'Alema protesta contra o GSF. As hesitações abrem feridas recentes. O PDS, antigo "partidão", agora é "partideco": caiu de 33 para 16% por cento dos votos! O resto da Oliveira está a favor do G8.
O início. Domingo, 15 julho. Encontros. Debates. Seminários. "Luta contra a pobreza e a desigualdade". Tensa tranqüilidade. Segunda, 16. Estréia do GSF. Na cidade, vinte mil policiais e multidões de manifestantes. A tensão aumenta. Então, através da Itália, explodem bombas. Governo e mídia responsabilizam os anarquistas e terroristas e aumentam a pressão policial.
Nos anos 1970, os serviços secretos italianos, americanos e da OTAN promoveram atentados terroristas no país para lançar a opinião pública contra a esquerda. A "estratégia do medo" não funciona como antes. Em Milão, acaba de terminar o processo do atentado da Praça Fontana, velho de 30 anos. Os responsáveis apontados são fascistas do Movimento Social Italiano, agora no governo, guiados pelos serviços secretos.
As bombas querem pôr fim à simpatia que cerca o "povo de Seattle". É difícil opor-se à luta pela natureza, pela paz, contra a pobreza e as doenças. E a globalização vende mal. Os longos anos de vacas magras, loucas e aftosas não chegam ao fim! Todos se angustiam com as mutações climáticas e desastres ecológicos. Os jogos de guerras realizam-se nos pátios da Europa. As novas notícias são péssimas. Mais de 13 % da população italiana vive na pobreza, ou quase. O tratado de Kyoto foi pro lixo, o escudo espacial, pras estrelas. A Palestina está na fogueira, a Argentina na latrina, o Brasil esperando a vez!
INTERNACIONALISMO DOS POBRES
Terça, 17. Trens. Ônibus. Bicicletas. O "povo de Gênova" chega aos borbotões. Quarta, 18. Primeira marcha oficial. "Todos Juntos!" Organizada para ser uma "marchinha", a manifestação dos "imigrados" tem sucesso inesperado. Mais de cinqüenta mil manifestantes. Italianos. Europeus. Multidões de africanos, africanos, asiáticos, ex-soviéticos, os novos escravos do velho paraíso capitalista.
Exige-se a regularização dos clandestinos. Fronteiras abertas. Direitos de solo para todos. O fim do racismo. Para abafar o sucesso da manifestação, explode carta-bomba na redação de Rede 4, um dos canais televisivos berlusconianos. Ela justifica tentativa da polícia de entrar no estádio onde se alojam os militantes dos centros sociais autônomos.
Na mesma noite, incendeiam-se os escritórios milaneses da Select, empresa de trabalho temporário, outra "concessão" da Oliveira. Nos dias seguintes, alarmes falsos de bombas e bombas sacodem Bologna, Gênova, Nápoles, Turim, Roma, Milão! Não se compreende o objetivo da grande orquestração.
Quinta, 19, o Day D. Gênova já acolhe multidões de manifestantes. São numerosos os membros dos centros sociais. Os jovens lombardos. Os militantes do PRC. Importantes delegações estrangeiras chegam à cidade: francesas, espanholas, gregos, iranianas. São fortes as colunas dos Blacks Blocks, anarquistas-insurrecionalistas. Grande parte desse povo é estranho ao GSF e à Rede No Global.
BANDIERA NERA, LA VOGLIAMO? NO!
Na chegada a Gênova, membros dos Blacks Blocks jogam garrafas contra os policiais. Surpreendentemente, eles não respondem às provocações. Com o resto dos manifestantes, o nível de tolerância é mínimo. Qualquer cara feia é duramente reprimida.
Na zona vermelha, os hotéis de luxo e o Cruzeiro European Vision recebem cidadãos excelentes - chefes de estado, esposas, burocratas, capitalistas, milionários. Os jornalistas alojam-se em quatro outros cruzeiros também alugados a preço de ouro.
O exército nacional, apoiado no serviço militar obrigatório, nos moldes das forças armadas cidadãs inventadas pela Revolução Francesa, foi substiuído por exército 'profissional' pelo governo da Oliveira. Agora, na Itália, os militares voluntários são trinta mil. O resto, são mercenários.
Nos tetos dos prédios e nas esquinas, cinco mil comandos e vinte mil policiais. Os regimentos presentes são os relacionados com a OTAN, envolvidos com a Iugoslávia e o Kossovo. São treinados para ver nos civis combatentes. Está presente a sinistra força especial Folgore. Os mares são controlados pelos Consubin, técnicos da sabotagem marinha. Centenas de helicópteros vasculham os céus.
Os esgotos são fechados. Transportes públicos são interrompidos. O proibição de circulação na zona vermelha dificulta o abastecimento de restaurantes, supermercados, farmácias. Quando podem, amedrontados, os genoveses fogem da cidade militarizada.
O G8 começa oficialmente com um calendário humanitário preparado pelo passado governo para apagar a fogueira anti-neoliberal. Inicia-se com as questões "humanitárias": luta à pobreza planetária; "soluções" privadas para a saúde, educação, emprego.
A Oliveira preparara o banquete. A "Casa das liberdades" apenas serviu-o com rara magnanimidade. Como entrada, regalou à opinião pública com a abundante cenoura das intenções humanitárias. A seguir, serviu como prato único para o "povo da anti-globalização" o duro bastão da repressão, inimaginavelmente salgado.
(22 agosto 2001)