20 de julho: A sexta-feira negra
Sexta-feira, 20 de julho. Meio dia. Uma grito agudo de sirena inicia as manifestações oficiais anti-G8. A marcha do dia anterior foi tranqüila. Espera-se que a grande marcha seja divertida e pacífica. No máximo, alguns empurrões entre policiais e manifestantes. É grande a emoção entre os mais de cem mil manifestantes! A caminhada inicia tranqüila.
Algo estranho. Os militantes dos Blacks Blocs misturam-se à longa coluna. Depredam. Queimam. Agridem os manifestantes que se opõem ao vandalismo. A polícia nada faz. Apenas segue tranqüila os blocos negros aproveitando para atacar a multidão confusa, quando se retiram.
As forças policiais começam a cortar a longa coluna em grupos menores. Sem razão, batem, prendem e lançam gás lacrimogêneo e jatos de água ácida. Os que se afastam da manifestação são cercados e agredidos. Bombas de gás são lançadas diretamente nos manifestantes.
A coordenação dos Blacks Blocs e da polícia é constatada por milhares de manifestantes e jornalistas. Infiltrados. Militantes negros são filmados entrando, saindo e descansando nas delegacias. Os anarquistas insurrecionalistas serão usados, antes, durante e após a marcha, para criminalizar a manifestação.
EXCITAÇÃO MACABRA
A polícia ataca, em vagas, batendo em manifestantes indefesos. Muitos deles são jovens sem experiência. As instruções dos organizadores é que se sentem e levantem as mãos, em sinal de não violência. Velhos, jovens e crianças são golpeados, no chão, de mãos levantadas!
Os cassetetes golpeiam cabeças em ângulo reto! Grupos de policiais isolam, cercam e ferem manifestantes com cassetetes, socos e pontapés. Os golpes não cessam nem mesmo quando a vitima sangra, grita, chora, desmaia. Anarquistas e autonomistas organizam ataques às forças policiais para que aliviar a pressão exercida sobre os manifestantes indefesos. Alguns poucos caminhões blindados são queimados.
Os helicópteros informam os policiais - e aos Blacks Blocs, acredita-se - onde atacar manifestantes escondidos, isolados e perdidos. A polícia golpeia os flancos das colunas e os helicópteros lançam bombas entre a multidão compacta. Procura-se impor o terror.
No fim da tarde, no meio de densas nuvens de gás e agressão generalizada, um jovem de 20 anos é assassinado com tiro na cabeça por um policial, desde dentro de veículo blindado. Carlo Giuliani é um entre os milhares de genoveses presentes no ato. A reconstituição da morte comprovará que portava nas mãos extintor que fora jogado do veículo contra os manifestantes. A noticia espalha-se motivando raiva e medo.
APENAS OS AMIGOS
À exclusão dos Blacks Blocs, todo manifestante é agredido. Adolescentes, adultos, idosos. Homens e mulheres. Pacifistas e autonomistas. Evangélicos e comunistas. Italianos e estrangeiros. Empregados e despregados. Jornalistas, fotógrafos, médicos, enfermeiros da Cruz Vermelha credenciados e uniformizados.
Os milhares de manifestantes portam filmadoras e máquinas fotográficas. Eles são golpeados e presos e os aparelhos, identificadas a projéteis, são destruídos! Já se teme as provas da barbárie. Policiais são filmados lançando gás lacrimogêneo em ambulâncias, após quebrarem os vidros. Um cameraman da BBC permanece no hospital, desfigurado. Uma jornalista alemã teve o pulmão perfurado.
Ajudados pelos helicópteros e atiradores nos tetos, as forças policiais empurram os manifestantes para armadilhas. Embretados nas estreitas e tortuosas ruelas da cidades medieval, são batidos duramente. Agride-se manifestantes sentados descansando nas pequenas praças da Gênova antiga.
Envolvidos por nuvens de gás lacrimogêneo, sem poderem ver e respirar, golpeados por policiais com máscaras e protegidos por armaduras, os manifestantes entregavam-se ao medo e ao pânico. Sem terem como escapar, apanham até que os policiais se cansem.
SANTIAGO É AQUI
Um cenário dantesco de gritos, medo, gás, histeria, sangue, explosão, fumaça e terror, invade grande parte da cidade. Mesmo os que nada sofreram temem uma repressão sem travas. As forças policiais estão por toda a parte, em qualquer canto.
Os hospitais e prontos-socorros enchem-se. Ossos quebrados. Olhos e pulmões perfurados. Lesões faciais e cranianas. Os feridos leves fogem das estruturas médicas, onde são fichados. Feridos são algemados às macas. Se médicos e enfermeiros indignados exigem que sejam soltos, policiais respondem que ... perderam as chaves!
Os policiais começam a prender manifestantes sem critérios. Os que são encontrados com garrafas de plástico, sanduíches, mochilas são denunciados como agressores. Os presos gravemente feridos são mandados aos hospitais, os demais, às delegacias. Dinheiro, cartões de crédito e documento são seqüestrados e, comumente, destruídos. Sem documentos, os manifestantes não podem identificar-se!
Nas prisões, jovens feridos são agredidos física e verbalmente e amontoados em posições insuportáveis e humilhantes. Muito numerosas, mulheres jovens e adultas são explicitamente bolinadas, em pseudo-revistas. Policiais urinam sobre prisioneiras.
FERIR E HUMILHAR
Presos permanecem horas proibidos de ir ao banheiro. As torturas, sobretudo verbais, provocam o choro, a depressão, a lassidão fisiológica. Presos urinam e defecam, nas roupas, diante dos companheiros. Manifestantes são transferidos para prisões "secretas" no norte da Itália, sem que o motivo da prisão e o destino sejam comunicados. Por dias, os advogados do GSF procuraram desaparecidos.
Os direitos legais são desrespeitados: nada de telefonema, advogado, troca das roupas, ducha, comida, etc. Os maus-tratos prolongam-se por dias. Policiais divertem-se batendo em velhas feridas. Dão vivas a Mussolini e juram de morte os comunistas. Lembram que agora têm os endereços dos prisioneiros! Que ninguém sabe onde se encontram!
Na Itália, as ligações entre as forças policiais e militares e a direita são profundas,. Policiais e militares participam e apoiam partidos fascistas "históricos", como MSI; neo-fascistas, como Força Nova, Flama Tricolor, Frente Nacional etc.; ou pós-fascista, como Aliança Nacional.
Sob o controle quase total da direita, a mídia privada e pública noticia a violência dos manifestantes e anuncia que a marcha do dia seguinte foi anulada, devido à "morte acidental" de Giuliani, horas depois que os organizadores tenham confirmado a caminhada em honra ao jovem genovês. Polícia e governo esperam que a lição tenha posto fim à oposição das ruas. Não pôs.
(23 agosto 2001)