A Batalha de Gênova:
Uma cidade-símbolo da globalização - 5

Por Gregório Carboni Maestri



Escola Diaz: A repressão a frio
Sábado, 21. A morte do jovem manifestante e as violências policiais provocam forte reação popular. Chegam a Gênova operários, funcionários, donas de casas. Famílias de gente comum, com filhos e cachorros. Centenas de velhos combatentes antifascistas. A demonstração de sábado transforma-se em imensa manifestação de duzentas mil pessoas em memória de Carlo Giuliani, contra as violências, as prisões, a polícia, o governo, em defesa dos direitos democráticos.
Nesse momento, as terríveis imagens do assassinato do jovem genovês e da violência policial começam a rodar o mundo. Com o desaparecimento da polícia, a cidade volta à ordem. Nesse sábado ensolarado, milhares de estrangeiros aprenderam a gritar em italiano as principais consignas da demonstração: "Assassini!", "Vergogna!", "Cile!"
Porém, muito logo, a polícia e os Black blocks reapareceram e Gênova conhece novamente o inferno do dia anterior. As cenas repetem-se monótonas, com redobrada violência. Ataques de colunas policiais, jatos d´água, bombas de gás, mãos levantadas, grupos de resistência, feridos, medo, prisões.
Finalmente, após dez horas de luta urbana, a paz volta. Apesar da violência policial, a noite cai sobre uma cidade eletrizada pela magnitude da impressionante manifestação popular. 19 horas. Tudo tranqüilo. Muitos manifestantes deixam a cidade. Outros preparam-se para partir no dia seguinte.


REFÚGIO SEGURO
Manifestantes dormem nas escolas Diaz e Pertini, cedidas pelo poder público para servirem de sede administrativa central ao Gênova Social Forum. A Escola Diaz vive espírito de festa. Violão. Canções. Conversas entre amigos e camaradas, namorados. Enviam-se os últimos e-mails para pais, parentes, amigos.
A Escola Pertini, ao lado, funciona como centro de imprensa, estúdio de gravação para as rádios de esquerda, operadores internet, jornalistas. É a principal sede da assistência jurídica do GSF. Os que não dormem, redigem a lista dos "desaparecidos", gravam programas de rádios, introduzem nos computadores informação sobre as violências policiais e suas ligações com os Blacks Blocks.
As escolas são espaços oficiais reconhecidos. Estão, portanto, ao abrigo das violências policiais. Quanto muito, policiais vigiam os arredores e alguns manifestantes são interpelados e presos ao acaso. Dois jovens alemães são detidos, em situação terrivelmente suspeita. Esperavam por uma pizza fora de um restaurante!
23 horas. Escolas Diaz e Pertini. Os manifestantes dormem, cansados pela atribulada marcha. Alguns poucos, trabalham. retardatários Preocupados pela crescente presença da polícia nos arredores, abrigam-se na Escola Pertini.

NA CALADA DA NOITE
Subitamente, escuta-se fortíssimo ruído na próxima via Battisti. São as tropas de elite do grupo Celere, de Roma, que se aproximam, a passo acelerado, quebram a porta de madeira e penetram na escola Diaz. A surpresa é total. Nenhum telefonema informara a incursão. Não se apresentam os documentos que permitem a invasão do prédio.
Começa o drama. Muitos manifestantes são golpeados nos sacos de dormir, deitados, tontos de sono, incapazes de se protegerem. Os que se levantam, são derrubados, chutados, até sangrarem. Os policiais batem nas cabeças, verticalmente, com ódio. As grandes janelas permitem que a violência inusitada seja vista da Escola Pertini, ao lado.
A imprensa chega, avisada. A pancadaria prossegue. Os fatos são transmitidos, ao vivo, sobretudo pelas rádios populares presentes. Agora, os policiais tentam entrar na Escola Pertini, onde as portas e janelas são fragilmente barricadas com móveis escolares. Aterrorizados, os manifestantes, jornalistas e radialistas refugiam-se nas salas de gravação onde esperam, inermes, serem massacrados.
Os policiais penetram com suas máscaras, escudos e armaduras, aos borbotões. Muitos manifestantes gritam e choram aterrorizados, de braços levantados! Subitamente, confusos, os policiais recuam. Compreendem que estão para massacrar manifestantes desarmados em estúdios radiofônicos que transmitem, em direta, para rádio nacional!

NA PÁTRIA DE DANTE
A Escola Pertini está salva, sobretudo por que chegam deputados e senadores, sobretudo do Partido Refundação Comunista que, ao exigirem que fosse mostrado o mandado para a invasão, descobrem, estarrecidos, que não havia ordem judicial!
Jornalistas e parlamentares que reivindicam o direito de ingressar no prédio são lançados contra os muros da escola, como criminosos. Gritos de dor e os pedidos de socorro continuam sendo ouvidos através das amplas janelas. Até o fim do massacre, ninguém entra na Escola Diaz.
A seguir, durante quase uma hora, mais de 140 feridos são transportados, em macas, por um grande número de ambulâncias, à disposição da polícia. Ninguém é informado para onde são levados os feridos. Ninguém compreende a razão da invasão.
Finalmente, parlamentares, advogados, jornalistas e médicos penetraram na escola vazia. A cena é dantesta. Nos muros, no chão, no próprio teto, marcas abundantes de sangue fresco. Aqui e ali, pedaços de tecido adiposo, de dentes, de orelhas! Embebidos em mar de sangue, os pertences dos jovens manifestantes - roupas, mochilas, cobertores, colchões, travesseiros, livros, escovas de dentes...

QUEIMA DE ARQUIVO
As razões do assalto tornam-se óbvias: no chão, destruídos, pisoteados, cortados em pedaços, fotos, vídeos, disquetes, arquivos. Os computadores do GSF foram literal esmigalhados, enquanto os da Escola foram deixados intactos. Três discos rígidos reunindo provas contra a polícia foram seqüestrados. Compreende-se que a operação fora planejada por falsos manifestantes para destruir provas da violência policial. Uma ação absolutamente à margem da ordem constitucional. Gravações revelarão que as ordens de comando eram de "massacrar os manifestantes". O governo justifica-se pateticamente. Pretendia-se prender militantes dos Blacks Blocks que, em total dissensão com o GSF, jamais haviam se aproximado dos prédios. Não sendo possível apresentar um que fosse, apresentam-se as 'armas' seqüestradas na Escola: facas de cortar frutas; acessórios de jardinagem da escola; simpáticos canivetes universais suíços, com as lâminas abertas, na tentativa de causar alguma impressão! Manifestantes feridos são levados para delegacias, onde permanecem de pé ou em posições incômodas, por mais de vinte horas. Agoniados com jatos de spray, vomitavam sobre seus companheiros. Policiais excitados apagam cigarros nos braços e nas costas de detidos. Acionada, a Justiça determina a nulidade das prisões e a restituição dos discos rígidos sequestrados. Tão forte é a impressão causada pela violação da Escola Diaz que, no dia seguinte, o primeiro ministro, o ministro do Interior, os chefes da polícia e dos serviços especiais, o prefeito de Gênova, etc., juram terem sido informados sobre o ocorrido apenas pela manhã, enquanto os rádios e as televisões noticiavam os sucessos em direta para todo o país! A covardia moral mostrava-se à altura da covardia dos fatos.
(24 agosto 2001)

Gregorio Carboni Maestri



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